segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Corpos x Espaços

Imaginei estar na pior, parecia que iria cair, sentei-me na cadeira e por um instante tive vontade de sumir mundo afora. Percebi que pobre da cadeira. Sempre alguém senta nela, ela nunca pode sentar-se, tem de estar sempre em pé, quando as visitas se vão, seu dono a põe de pernas para o ar sem o menor respeito.
O pior de tudo isso é; ter quatro pernas e não poder se quer sair do lugar sozinha.

Deite-me no sofá achando que, já que com dois braços talvez ele tivesse um ombro pra me dar, mas não, sofá tem braço, mas não tem ombro. Tem costa, escoro, mas ombro não, tem duas ou três bundas, acentos, mas não tem quadris, nem cintura. Sofá é bicho incompleto como eu.

Deite-me na cama, escorei minha cabeça na cabeceira, chorei mais de 100 mililitros, o previsto para o mês inteiro em um só dia. Percebi que a cama não tinha cabeça, mas um lugar a deixa-las, a cabeceira. Aos pés atrofiados da cama corri o mundo inteiro em sonho. Percebi que os meus pés tinham peito, mas não coração. Percebi que a mão francesa é feita no Brasil, que as portas do guarda-roupas não nos levam a saída nenhuma, muito menos a alguma entrada, que o bico do bule só canta o vapor de dias frios regados a chá, que as alças não namoram os alces, que o fato do tênis ter língua não signifique que ele fale, que as bocas do fogão não fofocam entre si, nem bocas de lobo comem ovelhas, que ninguém cai no buraco da fechadura, que a água que sai da torneira não torna a ela á mesma que foi um dia, que a cera da vela não é a mesma do ouvido, que um corpo de texto não tem braços, nem pernas, nem cabeça, nem nada, então por que é corpo? Que a flor nada mais é do que o órgão reprodutor das plantas, pênis e vaginas coloridos, ou brancos ainda á colorir, mas sem olhos para flertar, que embora o copo tenha borda ainda se pode desenhar fora dela, que embora almofadas tenham capa, não voam, muito menos são heróis, que as orelhas do caderno dizem mais sobre quem você é, do que te ouve. Que eu tenho pernas, não saio do lugar, que embora tenha braços, não sei onde pôr as mãos, que embora tenha cabeça, não sei direito o que se passa dentro dela, que eu sou um ser ”completo”, minhas mãos podem tocar piano e gaita de fole, que minhas pernas correm, que minha cabeça julga pensar segundo suas próprias regras, mas me falta saber o que fazer com tudo isso. Dois corpos não ocupam o mesmo espaço, nem dois espaços o mesmo corpo.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Um Chapéu, Dois...

Dois meninos de chapéus amarelos, cheirando a mofo cruzaram juntos, a passos largos, o semáforo vermelho, vermelho para eles. Os carros verdes em si mesmos pararam em marcas negras no asfalto, os amarelos, pratas e outras cores, produziram o mesmo cheiro de pneu queimado e marcas negras, bem negras no asfalto preto. Os dois nem tremeram os olhos para os lados, um par deles verde, continuou fixado em seu caminho, o outro também fixado no caminho que avançava, só que castanho escuro, um par também.
Duas pernas, cada um, avançavam as ruas e sinais vermelhos, amarelos, poucos verdes, para eles, cochas grossas e finas, duas grossas e duas finas, nos olhos castanhos, cochas pretas e grossas, no par de verdes, chochas brancas e finas. Mas os pés, esses 41 e 42, 42 verde branco fino, 41 castanhos preto grosso, pareciam cavar o chão pelo qual passavam, como dois cães pequenos e robustos, de pelo branco e fucinho preto. No rosto preto e olhos castanhos, simetria, harmonia entre sobrancelhas e tamanho dos lábios, pele lisa suportada também harmoniosamente por cochas grossas, no rosto branco pintas vermelhas e desequilíbrio proposital entre o tamanho e o lado da franja, rosto grande, cabeça grande inversamente proporcional ao tamanho das cochas que a sustentava. Os pés pequenos demais do par de olhos castanhos fixos no caminho a cada milésimo diferente, eram desproporcionais ao tamanho da cocha, o que fazia com que desse mais passadas desajeitadas que o par de olhos verdes fixos no caminho novo medido por passos dados.
Porém suas cochas compensavam a exaustão, já os olhos presos no rosto branco, por ter os pés maiores, não precisava dar tantos passos, porém sua cocha fina sofria a exaustão de poucos passos dados. Entraram em uma loja e compraram sorvetes. Nada de tão espetacular no mundo hoje, o dia em que a simplicidade virou poema complicado...

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Tedmund e a Noite

Não criem grandes expectativas, estou algum tempo sem escrever aqui, mas isso não significa que passei um bom tempo pensando sobre o que postar... mas ai vai.

Ted era um garoto, hoje já não o é. Ted é apaixonado pela noite, até hoje é. Ted dormia de dia apenas para admirar o escuro. Seu pai não entendia o por que do filho ficar horas na janela escura com seus brinquedos, mas para Ted a graça estava em imaginar o que se escondia lá fora, Ted não tinha medo do escuro, era nele que sua imaginação voava, e podia rever os monstros, vestindo aquelas roupas cor rosa e apertadas de balé, os monstros (segundo Ted) odiavam quando ele fazia isso.
Seus amigos, ou melhor seus colegas de classe, diziam que ele era estranho, afinal todos ali tinham medo de escuro, inclusive a professora disse certa vez que já teve medo de dormir sozinha quando criança, por que tinha medo do que se escondia em baixo de sua cama. Ted adorava pensar o que havia em baixo de sua cama, imaginava outras coisas, já que apenas o pó, as teias de aranhas, e suas meias esquecidas não o interessavam muito. Vamos chamá-lo de Ted, pois é assim que ele prefere, acha seu rosto fino demais para ser chamado de Tedmund. Tinha mais cara de Ted (Tedmund soava muito grave, e segundo ele era nome de gente velha, ranzinza e chata).
Seu rendimento escolar era péssimo, a professora devia chacoalha-lo mais de três vezes, berrando bem alto seu nome, para que ele acordasse, quando ele acordava! Pois havia vezes em que a professora desistia de tentar e o deixava dormindo na sala, sua mãe já não sabia mais o que fazer, e também já estava ficando mal sem dormir, já nem trabalhava direito. Ted só queria saber da noite, adorava brincar no escuro.

O pai de Tedmund, ops! Ted, sempre lhe perguntava se ele gostaria que deixasse a luz acessa, assim como o avô de Ted fazia com seu pai quando criança, mas Ted sempre respondia; “Não! Apague por favor pai! Boa noite.’’ – respondia ele já tomado pelo escuro de seu quarto.
Quando Ted ficou sabendo que as corujas viviam de noite cismou que ele poderia ser uma coruja também! Seu pai logo tirou isso de sua cabeça com um argumento bem simples, ele não tinha asas, e seu rosto era fino de mais, não caberia nele olhos tão grandes e redondos, o garoto concordou e tirou tais idéias da cabeça. Mas o que era então se não uma coruja?
Pensou, pensou e de tanto pensar, perguntou a sua mãe o que ele era se não uma coruja do rosto fino e semi-analfabeto em voos? Sua mãe lhe disse bem cansada do assunto; “Você Tedmundo é meu filho! Meu filho! Você não nasceu de um ovo! Por tanto é um garoto, uma criança que precisa dormir a noite como todas as outras! – Ted ficou surpreso com o que disse sua mãe, ele não sabia o que era pior, o fato de saber que era igual a todo mundo, ou o saber que para que tudo fosse normal, teria de dormir de noite, e perder toda a beleza dela.

Havia um amigo do pai de Ted, que era médico, o pai de Ted pediu então alguns conselhos do que fazer com o filho, o médico sugeriu; “Ensine a ele o quanto a luz é bonita! Mostre a ele a beleza de uma vela, por exemplo, logo ele ira ver que é sempre melhor enxergar tudo com clareza!” Assim fez o pai de Tedmund.
Ao voltar do trabalho comprou uma linda vela azul, com estrelas amarelas. Chegando em casa se trancou no quarto com Ted, apagou as luzes, e do nada a luz apareceu, era um fósforo, sua luz no começo parecia que ia se apagar, mas logo a chama encontrou o restante do palito, a luz se fez maior, então ele acendeu a vela, que por sua vez fez uma chama bonita e grande. O pai sacudiu o palito até apagar sua chama, um cheiro de fósforo veio até seu nariz. O pai sorriu com luz no rosto, Tedmund pulou da cama e correu para bem perto da chama, estendeu o dedo, mas era quente demais, olhou para o pai e sorriu de volta, os dois ficaram admirando a vela durante um bom tempo. Parecia-se muito quando acaba a força em cidade grande, a casa se enche de velas, quando a luz volta, não dá vontade de apagar...
A vela foi derretendo e derretendo até se apagar... o pai já havia dormido, Ted em seu colo viu quando o pavio, já não mais tendo onde se apoiar, caiu na cera que ele próprio havia derretido e se afogou...
Ted sorriu e disse ao pai; “Olha pai, a vela se afogou no próprio cuspi!!!!! Ahahaha...”
Seu pai resmungou qualquer coisa, de novo Ted voltou a se apaixonar pela noite e o escuro. Quando o dia veio Tedmund dormiu, ansiando para que a noite viesse a galope.

O fato é que ninguém discordou do que Tedmund disse, que ele adorava velas “por que elas faziam tanto luz, quanto escuro!”;

Há chamas que permanecem, até mesmo depois de apagadas...